terça-feira, 23 de maio de 2017


A Poesia Vai Acabar

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?»    E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —
Manuel António Pina

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Poema da Semana


Rumores do Verão
As  cigarras cantam
como no inverno
arde a lenha verde.

Um rumor pueril
e doce de abelhas
acrescenta a sede.

Quando o sol avista
os flancos do mar
despe-se a correr,

e dança dança dança.


Eugénio de Andrade


terça-feira, 2 de maio de 2017

Sugestão de Leitura - MAIO

BARRANCO DE CEGOS
ALVES REDOL

Barranco de Cegos, editado em 1962, é considerado uma das melhores obras de Alves Redol e enquadra-se no neo-realismo português.
A narrativa é uma caracterização da burguesia ribatejana, do pensamento e estilo de vida daquela gente. A divisão existente, mesmo dentro da burguesia entre os liberais e os absolutistas, entre os republicanos e os monárquicos, entre os rurais e os urbanos são também aspetos centrais. Além da caracterização da classe social, relata-se as desventuras de uma família que em diferentes gerações apresentam distâncias cada vez mais latentes. Como obra neo-realista que é, Barranco de Cegos, expõe ainda as condições de vida e de trabalho da classe operária rural do Ribatejo.

  

segunda-feira, 13 de março de 2017

Poema da Semana


Silêncio

Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio outro silêncio,
aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem.



Octavio Paz, in Liberdade sob Palavra
Tradução de Luis Pignatelli